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O Brasil atrás das grades

Abusos entre os Presos (continuação)
        PRESOS JURADOS DE MORTE
        PENITENCIÁRIA CENTRAL JOÃO CHAVES

Extorsão e o Mercado "Imobiliário" Interno da Prisão

PREFÁCIO

RESUMO

SISTEMA PENITENCIÁRIO

SUPERLOTAÇÃO

DELEGACIAS

CONDIÇÕES FÍSICAS

ASSISTÊNCIA

ABUSOS ENTRE PRESOS

ABUSOS POR POLICIAIS

CONTATO

TRABALHO

DETENTAS

AGRADECIMENTOS

 

Internos de algumas instalações, em geral as mais superocupadas, têm que pagar a outros internos para utilizar uma cela. Na Casa de Detenção de São Paulo, por exemplo, os presos pagam entre R$180 e R$ 800 (aproximadamente US$160-US$711) para dividir uma cela, dependendo de sua qualidade e localização. Naquele local, prisioneiros poderosos "possuem" ou controlam dez ou mais celas. Na Penitenciária Regional de Campina Grande, na Paraíba, os presos devem fazer um pagamento único de cerca de R$100 (aproximadamente US$ 89) para usar uma cela. Prisioneiros que não podem arcar com este valor dormem nos corredores. Na Penitenciária Central João Chaves, em Natal, diz-se que não custa nada para um preso viver no dormitório, mas deve-se pagar de R$100 a R$120 para dividir uma cela individual. Presos em geral pagam uns aos outros com maços de cigarros.

Os prisioneiros mais fracos ou menos poderosos freqüentemente têm que pagar a outros presos por certos "privilégios"; para tanto, seus pertences pessoais são constantemente tirados deles.

Celas de Isolamento e Presos Jurados de Morte

Todas as prisões visitadas pela Human Rights Watch, com exceção de algumas penitenciárias femininas, tinham celas de triagem ou de isolamento, geralmente localizadas na parte da frente da prisão, próximas à supervisão dos guardas. Algumas vezes estas celas abrigavam prisioneiros recém chegados, mas com maior freqüência detinham aqueles prisioneiros que, por uma ou outra razão, temiam ser lesados nas mãos dos outros presos. Presos como estes são, com freqüência, descritos como "jurados de morte" ou presos "seguros".

A Casa de Detenção de São Paulo tem duas áreas principais de isolamento uma no quinto andar do pavilhão seis, e outra, muito maior, no quinto andar do pavilhão cinco, ambas as quais tem as piores condições da prisão. Os presos são mantidos nestas áreas depois de requerer medida preventiva de segurança. Com medo dos outros presos, eles estão todos aguardando transferência para outras prisões, o que poderá ser concedido dentro de três, seis, oito ou mais meses. Como explicou um dos prisioneiros: "eu tenho um inimigo. Se eu retornar à minha cela, ou ele terá de me matar ou eu terei que matá-lo. Eu preferi sair de lá".(206) Outros prisioneiros não têm dinheiro para pagar por uma cela. No total de uma população de internos de cerca de 6.500, uns 300 presos, 5 % do total, encontravam-se nesta situação quando da ocasião da visita da Human Rights Watch.

A Human Rights Watch entrevistou seis prisioneiros mantidos em uma cela de isolamento na Penitenciária de Segurança Máxima de João Pessoa, os quais estavam flagrantemente temendo por suas vidas. Alguns estavam mesmo aterrorizados. Eles explicaram um complicado esquema de assassinato envolvendo maconha envenenada, que eles alegam ter sido erroneamente atribuída a eles. A vítima visada da tentativa de assassinato frustrada era um conhecido "cabeça" da prisão, um interno que teria anunciado vingar-se, matando todos eles. "Nós podemos morrer a qualquer momento", disse um dos integrantes do grupo com a voz trêmula. "Eles estão nos ameaçando; já tentaram três vezes chegar até a nossa cela. Eu não durmo mais".(207) Ilustrando a procedência destes temores, o preso nos disse que três brigas de faca ocorreram no mês anterior, todas terminando em ferimentos graves. Um outro membro do grupo disse que seis meses antes, um preso naquele estabelecimento foi esfaqueado até a morte.

Em rebeliões nas prisões, quando outros presos tomam controle das instalações, estes prisioneiros são freqüentemente feitos de reféns, torturados e mesmo mortos.(208) A Human Rights Watch falou com oito presos de segurança máxima na cadeia pública de Ribeirão Pires, em São Paulo, tomados como reféns em uma rebelião ocorrida cerca de duas semanas antes da nossa visita. Outros prisioneiros os mantiveram amarrados a botijões de gás e fazendo ameaças com facas, chegaram a cortar um preso. Durante um incidente anterior no mesmo local, em fevereiro de 1997, presos amotinados jogaram água fervente em um preso seguro que havia notificado previamente as autoridades sobre uma tentativa de fuga.(209)

Penitenciária Central João Chaves : Estudo de Caso de um Estabelecimento Penal Violento

Embora a Human Rights Watch tenha visitado várias prisões violentas durante sua missão no Brasil, nós ficamos particularmente perturbados com a situação da Penitenciária Central João Chaves, em Natal. De acordo com o Cel. Sebastião Saraiva, diretor da Penitenciária Central João Chaves, dez prisioneiros tiveram morte violenta naquela instituição entre março de 1997 e o início de fevereiro de 1998.(210) Nas duas ocasiões em que a Human Rights Watch visitou as instalações, achamos a atmosfera sinistra: alguns prisioneiros entrevistados pela Human Rights Watch estavam claramente convictos que estavam correndo risco de vida.

Os prisioneiros relataram à Human Rights Watch que, em vários casos, as autoridades foram indiferentes às ameaças de morte recebidas pelos prisioneiros, que mais tarde acabaram mortos. Alguns prisioneiros disseram que as autoridades carcerárias incentivavam alguns deles a matar outros em troca de saídas não autorizadas ou outros benefícios irregulares. Embora as autoridades da Secretaria de Justiça neguem veementemente estas acusações, a Human Rights Watch pôde documentar dois casos extremamente preocupantes que sugeriam, no mínimo, indiferença oficial quanto às mortes ocorridas entre os detentos. Em ambos os casos analisados, os presos que sofreram ameaças de morte não receberam transferência ou qualquer tipo de proteção após terem informado às autoridades dos riscos que sofriam e foram mortos por outros presos logo depois da denúncia das ameaças que haviam recebido.

De acordo com os registros da 12a. Delegacia Policial de Natal, foram conduzidos inquéritos policiais para apurar a morte de dez prisioneiros na Penitenciária Central João Chaves, ocorridas entre março de 1997 e janeiro de 1998. O quadro abaixo reproduz os reg da décima-segunda delegacia policial sobre os inquéritos concluídos, proporcionados à Human Rights Watch pelo Delegado Titular istros, Fábio Rogério Silva:

No do Inquérito Data da Conclusão Nome da Vítima Nome do Suspeito(s)
003/97 2/04/97 Francisco Luiz da Silva Junior Gutemberg Bezerra da Silva
004/97 3/04/97 Gutemberg Bezerra da Silva Marinaldo Soares; José Costa Patrício
006/97 23/04/97 Marinaldo Soares José Costa Patrício
010/97 ---------- Rosanea da Silva de Oliveira Elissandra Ferreira da Silva; Almir Queiroz da Silva
014/97 26/11/97 Francisco Canindé Bezerra dos Santos João Maria Segundo do Nascimento
016/97 31/12/97 Djerson Andrade de Almeida Jailton Bastos de Souza
017/97 21/01/98 João Maria Segundo do Nascimento José Barbosa de Souza
002/98 22/01/98 Mário Sérgio Ribeiro dos Santos João Maria Vicente de Souza
004/98 27/01/98 Antonio Rodrigues da Costa João Batista da Silva
005/98 30/01/98 José Francisco Cerqueira Francisco de Assis Dantas

A morte de Francisco Canindé Bezerra dos Santos

Em 27 de agosto de 1997, Francisco Canindé Bezerra dos Santos (Canindé) foi colocado em uma cela de castigo. Logo depois disto, Bezerra foi transferido para a cafua, uma área decrépita também utilizada para castigo.(211) Em 28 de agosto, Francisca Bezerra dos Santos, sua irmã, recebeu um telefonema anônimo da Penitenciária Central João Chaves, informando que ela deveria dirigir-se ao hospital Santa Catarina porque seu irmão foi levado para lá, após ter sido severamente surrado. Os registros do hospital Santa Catarina confirmam que ele foi atendido como um paciente externo em 28 de agosto de 1997.(212) Francisca pediu à sua cunhada, Vera Neide Gonzaga da Silva, para ir ao hospital, indo pessoalmente até lá mais tarde. As duas mulheres viram Francisco acompanhado por policiais. De acordo com o depoimento delas, o preso estaria com o nariz sangrando e tinha curativos na cabeça.

As duas mulheres dirigiram-se à Penitenciária Central João Chaves, onde encontraram-se com o diretor. A irmã de Canindé informou à Promotoria de Direitos Humanos que ela havia pedido ao diretor para remover seu irmão da área de castigo, mas que ele negou-se a atender seu pedido, insistindo que Bezerra dos Santos deveria permanecer ali por trinta dias.

No dia seguinte, Francisca dirigiu-se à Promotoria de Direitos Humanos e encontrou-se com o Promotor, Dr. Fernando Batista de Vasconcelos. Com base nas informações apresentadas por ela, o Dr. Vasconelos preparou três cartas endereçadas às autoridades competentes, requerendo a tomada de medidas imediatas em relação ao caso. Uma das cartas foi dirigida a Sebastião Saraiva, diretor da João Chaves, outra ao juiz competente, com autoridade de supervisão sobre a Penitenciária Central João Chaves, Dr. Manoel dos Santos, e uma última ao juiz do distrito domiciliar de Canindé. Após submeter a primeira carta ao juiz Manoel dos Santos, Francisca (a irmã do Canindé) foi até a penitenciária, onde chegou por volta das 13:10. Às 14:00, Saraiva encontrou-se com ela e recebeu a carta, carimbando e assinando-a com a data do recebimento: 29 de agosto de 1997. A carta incluía uma cópia do depoimento de Vera Neide Gonzaga detalhando os abusos físicos e o isolamento em uma cela de castigo aos quais Canindé tinha sido sujeito. A carta requeria ao diretor que o preso em questão fosse levado ao Instituto Técnico e Científico de Polícia, ITEP/RN, de modo a proceder um exame de corpo de delito para verificar se Canindé fora alvo de abuso ou tortura, que lhe fosse conferido o atendimento médico necessário e que Saraiva ordenasse a abertura de um inquérito policial sobre as alegações de abuso físico que ele teria sido sofrido.(213)

As duas mulheres permaneceram na prisão até 15:30 da tarde, mas não lhes foi permitido ver Canindé; ao retornarem à casa naquela noite elas souberam que ele havia sido morto naquele mesmo dia, 29 de agosto, por outros internos da Penitenciária Central João Chaves. De acordo com o Promotor Vasconcelos, Canindé teria feito queixas públicas sobre o envolvimento da polícia com o tráfico de drogas dentro da Penitenciária Central João Chaves. Tal fato, de acordo com o Promotor Vasconcelos, provocou a decisão das autoridades da penitenciária de colocá-lo na cafua e depois, no mínimo, de falhar em tomar medidas para proteger a vida do preso dentro da área principal de detenção da prisão.

Embora o inquérito policial que apurou a morte de Francisco Candidé Bezerra dos Santos tenha sido concluído em 26 de novembro de 1997, a investigação oficial não tocou no papel do diretor Saraiva neste crime até o momento da elaboração deste relatório.

Morte do prisioneiro Djerson Andrade de Almeida

Por volta de 22:00 horas do dia 28 de setembro de 1997, durante uma busca de rotina no interior da Penitenciária Central João Chaves, integrantes do quadro de pessoal da penitenciária (policiais militares) encontraram uma bomba de fabricação industrial (tipoTNT-3 fabricado pela Embel).(214) Logo em seguida, de acordo com os meios de comunicação locais, as autoridades da João Chaves interrogaram setenta e um presos para descobrir quem era o responsável pela entrada da bomba no presídio. Como parte destas interrogações, um número de presos foi levado para a cafua.(215)

As autoridades escolheram um grupo de pelo menos seis prisioneiros, aparentemente creditados como sendo os responsáveis pela entrada da bomba na prisão, e os trancaram na cafua. Parentes destes detentos registraram queixa junto ao Centro de Direitos Humanos e Memória Popular, em Natal. O Centro, em carta datada de 03 de outubro de 1997, informava ao promotor Fernando Vasconcelos sobre a detenção e tortura de seis prisioneiros mantidos na cafua.(216) Os seis prisioneiros listados na carta eram os seguintes: Djerson Andrade de Almeida, José Roberto Lopes Cunha, Lindemberg da Fé, Marcelo Santos da Silva, Eduardo Anunciação Ribeiro da Silva e João da Silva Oliveira. Naquele mesmo dia, 03 de outubro, o promotor Vasconcelos fez requerimento através de carta enviada ao diretor da prisão, Sebastião Saraiva, pedindo que a integridade física e as vidas dos prisioneiros fossem garantidas e que os seis homens fossem enviados ao Instituto Técnico e Científico de Polícia, ITEP/RN, de modo que os exames pudessem ser realizados em todos eles. Vasconcelos enviou cópia desta carta, junto com uma carta de apresentação descrevendo a gravidade da situação, a Carlos Eduardo Alves, Secretário de Justiça do Rio Grande do Norte.

Mais tarde naquele mesmo dia, seguindo o conselho do promotor Vasconcelos, os familiares dos presos foram até a redação do Diário de Natal, um dos maiores jornais da cidade, para informar ao jornal do risco eminente ao qual estavam sujeitos seus parentes presos. De acordo com o Diário de Natal, familiares de seis presos e de um prisioneiro conhecido apenas pelo apelido "Cabeludo", reportaram ao jornal que aqueles homens estavam sendo mantidos nus na cafua, onde estavam sendo alvo de espancamentos e torturas com objetivo de forçá-los a confessar a participação em uma tentativa de fuga envolvendo a bomba encontrada na prisão no domingo anterior.(217)

Repórteres do Diário de Natal foram até a Penitenciária Central João Chaves a fim de requerer permissão para encontrarem-se com os prisioneiros mantidos na cafua, mas o acesso lhes foi negado pelo diretor Saraiva. Ao invés disto, ele apresentou-os a outros prisioneiros que informaram aos jornalistas que eles ignoravam casos de tortura cometidos dentro da prisão.

O pai de Djerson, Paulo Luiz de Almeida, em uma declaração assinada, entregue ao Ministério Público estadual, relata que em 02 de outubro, através da assistência do advogado Dr. José Humberto Dutra de Almeida, seu filho foi removido da cafua e retornou à parte principal da prisão. Entretanto, ele foi retirado da área na qual eram mantidos os presos que aguardavam julgamento (a ala dos provisórios) e colocado na área daqueles já condenados. De acordo com Paulo Luiz de Almeida, em 03 de outubro seu filho enviou-lhe uma mensagem na qual pedia a quantia de R$100 (aproximadamente US$89) para pagar por um espaço para dormir na área para onde havia sido transferido. No dia seguinte, por volta das 11:00, o pai de Djerson foi até a Penitenciária Central João Chaves, onde foi informado que seu filho havia sido torturado e morto por outros presos.(218)

Como no caso de Francisco Canidé Bezerra dos Santos, embora o inquérito policial sobre a morte de Djerson Andrade de Almeida tenha sido concluído em 31 de Dezembro de 1997, uma investigação sobre a responsabilidade do diretor não tinha sido realizada até o momento de elaboração deste relatório.


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