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O Brasil atrás das grades

Abusos Cometidos
por Guardas e Policiais

        EFETIVO DE PESSOAL NA PRISÃ0
        PUNIÇÕES AUTORIZADAS
        EXECUÇÕES SUMÁRIAS, TORTURA E OUTROS ABUSOS FÍSICOS
                Amazonas
                Ceará
                Minas Gerais
                Paraíba
                Rio Grande do Norte
                Rio Grande do Sul
                São Paulo
        IMPUNIDADE

PREFÁCIO

RESUMO

SISTEMA PENITENCIÁRIO

SUPERLOTAÇÃO

DELEGACIAS

CONDIÇÕES FÍSICAS

ASSISTÊNCIA

ABUSOS ENTRE PRESOS

ABUSOS POR POLICIAIS

CONTATO

TRABALHO

DETENTAS

AGRADECIMENTOS

 

Desde o momento em que são detidos até serem libertados, os presos brasileiros enfrentam uma violência oficial crônica e muitas vezes extrema. Particularmente no período que se segue às rebeliões nos presídios, os detentos sofrem abusos físicos horríveis. Mal remunerados e carentes de treinamento adequado, os agentes penitenciários rápida e freqüentemente recorrem aos espancamentos ao invés das punições autorizadas e previstas na LEP. Ainda assim, as mais altas instâncias de brutalidade, incluindo a execução sumária de prisioneiros, são cometidas pela Polícias Civil e Militar ao invés dos guardas. A chacina ocorrida na Casa de Detenção do Carandiru, em 1992, um dos mais sangrentos episódios da história brasileira, foi cometido por membros da Polícia Militar, bem como a matança de oito presos, em João Pessoa, Paraíba, em dezembro de 1997, a morte de sete presos fugitivos perto de Fortaleza, no Ceará, e, em fevereiro de 1998, a morte de pelo menos seis presos fugitivos em Natal, Rio Grande do Norte. Uma vez que os antecedentes das Polícias Civil e Militar em vários estados na condução de suas tarefas de policiamento são fortemente marcados por brutalidade, corrupção e abusos afins,(219) não é surpresa que sua conduta com os presidiários seja igualmente defeituosa.

Como ocorre em geral com outras violações aos direitos humanos, o que mais encoraja estes atos de violência é a impunidade persistente que impede responsabilizar os oficiais por suas faltas. Em cada etapa do processo criminal, da investigação à acusação, do julgamento à apelação, a balança é altamente favorável aqueles que cometem abusos. De fato, muito poucos incidentes envolvendo abusos físicos aos prisioneiros, mesmo incluindo os casos mais graves de tortura, são investigados. A impopularidade e a impotência política da população carcerária faz com poucas pessoas se importem que os abusos praticados contra os presos prossigam impunes.

Efetivo de Pessoal na Prisão

Reconhecendo a importante responsabilidade confiada aos guardas das prisões, que devem evitar preventivamente fugas e manter a ordem entre os prisioneiros, enquanto proporcionam segurança e bem estar a todos os internos, as Regras Mínimas contêm várias cláusulas obrigando a cuidadosa seleção dos guardas, que deverão ser apropriadamente treinados e adequadamente remunerados. É ressaltado, na explicação destas medidas, que o correto funcionamento das prisões depende dos guardas, notadamente de sua "integridade, humanidade, capacidade profissional e aptidão pessoal para o trabalho na prisão".(220)

Estrutura de responsabilidades

Em muitos estados os agentes penitenciários, contratados e treinados pelas Secretarias de Justiça, fornecem pessoal às prisões, enquanto policiais civis realizam este trabalho nas carceragens das delegacias de polícia. Em outras palavras, uma vez que o preso tenha sido transferido para o sistema penitenciário, ele deveria ficar longe do jugo da polícia.

Não obstante, a Polícia Militar estadual, que é sujeita ao controle civil e, portanto, detém um nome um tanto quanto impróprio, tem de fato um papel importante nas penitenciárias.(221) A principal atribuição da polícia militar é garantir a segurança externa da penitenciária através da guarda constante nas guaritas e outras estruturas de observação que circundam as instalações. Eles também são geralmente chamados para apoiar o pessoal da prisão no abrandamento de conflitos, prevenir fugas e lidar com outras perturbações internas à prisão.

Em certos estados, além disto, a polícia é formalmente empregada dentro das prisões. O exemplo mais extremo de controle policial do sistema penitenciário é verificado no Rio Grande do Norte, um pequeno estado nordestino, com uma população carcerária relativamente pequena. Quando visitamos o estado, em dezembro de 1997, as prisões estavam inteiramente sob a administração da Polícia Militar. Um porta voz da Secretaria do Interior, Justiça e Cidadania, que dirige o sistema penitenciário, disse que o estado jamais empregou corpos civis no pessoal das prisões, embora estivesse planejando contratar alguns em breve.(222)

O Rio Grande do Sul entregou o controle de cinco de suas prisões, as mais inviáveis, à Brigada Militar do estado. Após muitos anos de contínuas perturbações, culminando com uma crise dramática envolvendo a tomada de reféns e a fuga de presos notórios, a Brigada Militar foi autorizada a tomar as prisões em 25 de julho de 1995. A autorização era limitada a um período de seis meses, mas tem sido renovada a cada vez que está prestes a vencer. Quando a Human Rights Watch visitou estas prisões, a Brigada Militar estava confiante que seu mandato seria prorrogado desta forma indefinidamente; na realidade, eles aparentavam estar muito bem acomodados em suas funções de administradores da prisão.

Enquanto grande parte dos observadores, e até alguns prisioneiros, concordam que a Brigada Militar do Rio Grande do Sul representou uma melhora em relação aos corruptos e abusivos agentes penitenciários que eles substituíram, sua presença nas prisões é acusada de constituir violação às garantias da constituição estadual, que limita suas funções na prisão a unicamente garantir segurança externa. Quando consultado sobre este assunto, o chefe da Força Tarefa, força militar das prisões, respondeu simplesmente "nós não nos envolvemos em questões constitucionais", embora ele tenha concordado que a função nas prisões não é usual.

No Ceará, outro estado visitado pela Human Rights Watch, a Polícia Militar foi encarregada de manter a segurança interna das prisões estaduais. Ainda assim, temos informações insuficientes para concluir que o Brasil está assistindo a uma sistemática "militarização" de suas prisões, como ocorreu em outros países da América Latina.(223) Não obstante, estamos preocupados com o grau de controle da polícia militar sobre o sistema penitenciário, que viola normas internacionais que determinam que as prisões sejam mantidas por um corpo de profissionais civis.(224)

Falta de treinamento

A LEP obriga que os guardas recebam tanto cursos específicos de formação, como a reciclagem periódica dos servidores em exercício.(225) Apesar disto, a falta de treinamento adequado prejudica gravemente os guardas das prisões brasileiras, deixando muitos deles mal equipados para lidar com os deveres de custódia. Os policiais militares trabalhando em várias prisões do Rio Grande do Sul, por exemplo, recebem somente cinco dias de treinamento antes de receberem a função de trabalho nestas instituições.(226)

Agentes penitenciários em Minas Gerais reclamaram ruidosamente da ausência de treinamento durante as entrevistas com a Human Rights Watch. O curso preparatório, quando é oferecido, consiste em uma semana de palestras em sala de aula, ministrada dentro de uma das prisões. O estado não mantém uma academia de treinamento, nem existem cursos de atualização e reciclagem para os agentes penitenciários que já estão trabalhando.(227)

Em São Paulo, o estado com o maior corpo de agentes penitenciários, o presidente do Sindicato dos Agentes Penitenciários relatou à Human Rights Watch que "o treinamento que nos é fornecido nunca foi adequado".(228) Distintamente de outros estados, São Paulo tem uma academia penitenciária responsável pelo treinamento dos agentes, embora as disciplinas ensinadas lá sejam limitadas. O presidente do sindicato ressaltou que durante os quarenta dias do curso de treinamento, os guardas recebem substancialmente treinamento em habilidades policiais, mas pouca informação relativa ao tratamento humano dos presos.

Baixos salários

Os salários dos agentes penitenciários variam enormemente de estado para estado, mas tendem em geral a ser baixos, e em alguns estados, mínimos. Muitos estados, contudo, complementam seu pessoal regular encarregado de custódia com empregados contratados, em geral através de contratos de seis meses renováveis; estes agentes recebem pagamento inferior, pouco ou nenhum treinamento, e um mínimo de benefícios.

Os agentes mais bem pagos foram encontrados em Brasília, onde recebem aproximadamente R$1.700 por mês (aproximadamente US$1.513), e no Amazonas, onde guardas recebem entre R$1.000 e R$1.500 (entre US$890 e US$1.335) por mês.(229) Em São Paulo os agentes novos iniciam recebendo entre R$711e R$785 (aproximadamente US$633 - US$699) por mês. Em Minas Gerais, até junho de 1997, os agentes ganhavam R$220 (aproximadamente US$196) por mês; então, depois de uma greve, seus salários foram aumentados para R$463 (aproximadamente US$421) mensais(230). Carcereiros nas delegacias de São Paulo recebem em geral entre R$300 e R$400 (aproximadamente US$267- US$356) por mês.

Na Paraíba, somente uma parcela do quadro de agentes penitenciários tem estabilidade no emprego, recebendo um salário de R$400 (aproximadamente US$356) por mês; a maioria dos agentes trabalha com contratos de seis meses, ganhando R$120 (aproximadamente US$107) por mês. Agentes nesse estado nos relataram que mesmo os empregados estáveis trabalham freqüentemente em um segundo emprego para conseguir suprir suas necessidades.(231)

Salários baixos como estes contrariam as Regras Mínimas, que requerem que o pessoal que trabalha nas prisões receba "remuneração adequada a fim de se obter e conservar os serviços de homens e mulheres capazes".(232) Salários miseravelmente baixos, não só são ineficazes em atrair pessoal qualificado, como encorajam a corrupção.

Punições Autorizadas: Advertências, Restrições e Isolamento

A LEP enumera as punições para infrações disciplinares cometidas pelos presidiários, autorizando, em ordem crescente de gravidade, advertências verbais, repreensão, restrição ou suspensão de certos direitos (como as visitas), e um máximo de trinta dias de isolamento disciplinar. A mesma lei também proíbe outras punições: em particular os castigos coletivos, uso de cela escura e punições que colocam em risco a saúde mental ou física do preso.(233)

Como será descrito logo abaixo, a Human Rights Watch verificou que a proibição legal quanto aos castigos coletivos é rotineiramente violada nas instituições penais brasileiras, e que punições infligidas muito comumente incluem abuso físico. Também verificamos muitas celas de castigo, utilizadas para isolamento disciplinar que, embora não fossem absolutamente escuras, eram muito fracamente iluminadas ou sombrias na maior parte do tempo.(234) Notamos que o limite de trinta dias para o isolamento disciplinar é em geral respeitado.

Como é típico a todas as prisões, celas punitivas tendem a ter condições muito piores que as celas normais.(235) A Penitenciária Central João Chaves, em Natal, apresentou uma das piores áreas de punição visitadas pela Human Rights Watch. Chamada de cafua (calabouço), a área consistia em quatro celas, três delas medindo aproximadamente dois metros por três metros, e uma maior de três metros por cinco metros. Nenhuma das celas menores tinha acesso direto à luz natural ou instalações sanitárias. Os prisioneiros relataram à Human Rights Watch que aqueles enviados para a cafua, regularmente passavam trinta dias ininterruptos nas celas de punição e eram, por este motivo, forçados a defecarem no chão da cela ou em sacos plásticos, que mais tarde eram jogados através da porta de ferro da cela. Um prisioneiro mencionou ter sido mantido em uma das celas menores com mais nove pessoas.

Durante a visita realizada à Penitenciária Central de João Chaves, em dezembro de 1997, fomos informados que a cafua havia sido fechada quinze dias antes. Muitos dos prisioneiros com os quais conversamos, entretanto, falaram que eles estavam presos na cafua e que foram liberados apenas alguns dias antes de nossa visita. Após uma tentativa de fuga realizada em outubro, mais de cinqüenta prisioneiros foram colocados na cela de punição maior. "Nós passamos três dias cara a cara", descreveu-nos um prisioneiro. "Ninguém podia dormir".(236) Na nossa visita de retorno àquela prisão em fevereiro de 1998, vários internos nos relataram que a cafua continuava sendo usada, embora mais esporadicamente do que antes.


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