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O Brasil atrás das grades

Assistência Médica,
Jurídica e Outras
(continuação)
        ASSISTÊNCIA JURÍDICA
        SERVIÇOS SOCIAIS

PREFÁCIO

RESUMO

SISTEMA PENITENCIÁRIO

SUPERLOTAÇÃO

DELEGACIAS

CONDIÇÕES FÍSICAS

ASSISTÊNCIA

ABUSOS ENTRE PRESOS

ABUSOS POR POLICIAIS

CONTATO

TRABALHO

DETENTAS

AGRADECIMENTOS

 

O sistema está tão sobrecarregado que doentes em estado grave ou mesmo em estado terminal permanecem juntos aos demais presos nas delegacias. Dois meses antes da inspeção da Human Rights Watch no Depatri, um preso morreu de meningite. Um de seus ex-colegas de cela descreveu o que aconteceu:

Ele tinha vinte e cinco anos, era negro. Ele estava doente por um mês e ficava deitado no chão, suando como um louco. Eles levaram ele para pegar ar fresco umas vinte vezes. Uma vez eles levaram ele para o posto de saúde. Ele sempre pedia para ver um médico. Finalmente, eles levaram ele quando estava claro que ele estava quase morto, e os carcereiros falaram depois que ele tinha morrido.(161)

Na mesma delegacia, cerca de um mês depois, um preso epilético faleceu. "Ele teve um ataque epileptico e começou a bater a cabeça nas barras da cela. Ele foi levado para o hospital e depois voltou. Ele morreu na sala de visita".(162)

Embora estatística abrangente em nível nacional não tenha sido compilada, acredita-se que Aids e tuberculose--geralmente juntas--são as principais causas das mortes nos presídios do Brasil. Muitos presos morrem dessas doenças após terem recebido tratamento médico insuficiente ou nenhum. Presos nos distritos policiais de São Paulo não recebem medicamentos para Aids, embora recebam tratamento externo para tuberculose. Na maioria dos presídios estaduais, os presos doentes não são transferidos para um hospital ou enfermaria antes de chegarem a um estado avançado ou terminal da doença. (Segundo as normas internacionais, presos portadores do vírus HIV que ainda não demonstram os sintomas da Aids não são segregados de outros presos.)(163) Apesar da previsão do indulto humanitário concedido, teoricamente, aos presos doentes em estado terminal, obstáculos processuais e outros retardamentos implicam que, na prática, poucos presos são beneficiados a tempo.(164)

Pelo menos cinqüenta e oito presos da Casa de Detenção morreram durante o ano da nossa visita ao estabelecimento, a maior parte por Aids e tuberculose. Um desses presos faleceu de Aids apenas alguns dias antes da nossa chegada; uma anotação no livro de registros da enfermaria descrevia as circunstâncias de sua morte:

 

No dia 24 de novembro de 1997, o paciente, [X], morreu nesta enfermaria. Antes de sua morte, o preso encarregado da enfermaria, [Y], solicitou que [X] fosse envidado ao Hospital Central mas o agente penitenciário, [Z], disse que [X] tinha sido examinado apenas no dia 21 de novembro e como ele teria chegado há pouco à enfermaria e não podia ser levado ao hospital.

Como esse caso exemplifica, apenas uma pequena minoria de presos com doenças graves no sistema prisional em São Paulo acaba sendo levada ao Hospital Central do Departamento de Saúde do Sistema Penitenciário. Esse hospital, localizado no complexo da Penitenciária do Estado, possui apenas oitenta e quatro celas e está normalmente aquém de sua capacidade máxima. A Human Rights Watch não pôde visitar esse estabelecimento, mas notamos que uma delegação jurídica que fez inspeções em abril de 1997 reportou as seguintes constatações:

[A] alimentação fornecida não obedece a uma especificação médica mínima . . . .[O]s médicos do Hospital Central não estão realizando diariamente tais visitas a cada um de seus pacientes . . . o que . . . se faz absolutamente inaceitável, sobretudo quando é sabido que todos os pacientes ali internados, salvo raríssimas exceções, encontram-se em estado que reclama cuidados intensos e vigília . . . [O] Hospital Central em tese deveria ser o estabelecimento que centralizaria todo o atendimento hospitalar para os condenados que se encontram na rede COESPE, todavia o baixo número de pacientes ali internados já demostra que está ele muito aquém de poder atender a tais necessidades..(165)

Segundo informações, o Rio de Janeiro oferece melhor assistência médica que a maioria dos sistemas prisionais estaduais do Brasil; conta com sete hospitais penitenciários, inclusive um para doentes com Aids onde os pacientes recebem medicamentos e tratamentos modernos de eficácia comprovada na contenção do avanço da doença.(166) Esses medicamentos, ainda segundo informações, também estão disponíveis no Sanatório do Hospital Central do Sistema Penitenciário de São Paulo. No entanto, o pequeno número de leitos nesse estabelecimento limita seu uso a uma minúscula fração do número total de presos com Aids.

Preservativos são distribuídos em alguns presídios como medida preventiva contra a contaminação pelo vírus HIV. No Rio de Janeiro, por exemplo, o Desipe anunciou, no final de 1997, que distribuiu uma média de 10.000 preservativos por mês para os 13.000 presos do sistema.(167) Na Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas, no Rio Grande do Sul, autoridades prisionais nos revelaram que em torno de 300 presos recebem cerca de cem preservativos todos os dias de visita.(168)

O Ministro da Saúde defende várias medidas preventivas adicionais e, em alguns estados, financia sua implementação nos presídios. As medidas incluem a criação e distribuição aos presos de materiais educacionais, tais como panfletos descrevendo as formas de prevenção e o treinamento de enfermeiros e outros que trabalham nos presídios. Entre outros esforços interessantes, o Ministro da Saúde apóia a publicação de um jornal com foco no vírus HIV escrito e editado no Presídio Central de Porto Alegre e que é distribuido à população carcerária. Além de abordar sexo, drogas e prevenção contra contaminação pelo HIV de forma aberta e franca, o jornal serve como um fórum para que os presos expressem suas idéias e opiniões sobre os problemas e abusos nos estabelecimentos prisionais.(169)

De forma consistente com as normas internacionais, o Brasil não obriga seus presos a fazerem o teste de HIV.(170) Muitos presídios, no entanto, sequer podem atender aos testes voluntários devido à falta de recursos.

Felizmente, as autoridades judiciais e de saúde reconheceram a seriedade da contaminação epidêmica do vírus HIV entre a população carcerária.(171) Eles enfatizam, em particular, que o constante fluxo de presos que deixam o sistema prisional facilita a contaminação da população em geral pelo vírus HIV. Segundo estimativas, todo ano cerca de 12.000 presos portadores do HIV são libertados, tornando-se focos de propagação da doença.(172)

Presos paraplégicos

Um grupo de presos paraplégicos que foram mantidos sob vigilância especial no Hospital Penitenciário da Penitenciária do Estado de São Paulo até o final de 1997 ilustra tragicamente a falta de assistência médica no sistema prisional. Esses presos, trinta e seis paraplégicos e dois tetraplégicos, quase não recebiam tratamento médico algum. Não somente não recebiam tratamento de fisioterapia, como sequer eram virados em suas camas numa freqüência recomendável. Como resultado disso, muitos deles desenvolveram feridas de má posição em várias partes das costas, nádegas e pernas.(173) Em março de 1997, trinta e cinco dos presos paraplégicos enviaram uma carta à Pastoral Carcerária descrevendo seus sofrimentos, apresentada à Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa de São Paulo. A carta relatava que eles não recebiam nenhum tipo de medicação das autoridades; que as únicas pessoas que cuidavam deles eram os outros presos com nenhum conhecimento de medicina; que eles viviam entre ratos, baratas e outros insetos, e que muitas vezes, ou na maioria das vezes, as mortes que ali ocorreram foram por falta de atendimento.(174)

Naquele mesmo mês, os presos paraplégicos foram visitados pela Comissão de Direitos Humanos da Assembléia que confirmou as péssimas condições nas quais os presos eram mantidos. Um relatório da visita notou:

São os outros presos de boa vontade, mas sem formação médica, que auxiliam os presos deficientes físicos... inclusive fazendo pequenas intervenções cirúrgicas quando necessárias . . . [Esses presos] "operam" as escaras, cortando fora a pele/ carne já necrosada e aplicam remédios "autênticos" e remédios caseiros . . . O remédio mais usado pelos presos para tratamento de escaras é o açúcar e o pó de café . . . Todos os paraplégicos usam um tipo caseiro de sonda ( . . . "uripen", esparadrapo, mangueira de plástico correndo para dentro de vasilhames de refrigerante de 2 litros). Infeção da uretra é comum em paraplégicos. . . . Há casos de paraplégicos que lhes foi garantido pelos médicos dos hospitais públicos onde foram internados no início de sua captura, que poderiam voltar a andar, se extraísse o(s) projétil(is) de seus corpos e se fizesse fisioterapia. Evidentemente as balas não foram removidas ainda  . . . e o paciente deteriorou em seu estado físico, ao ponto de suas pernas terem se travado, em posição fetal, dobradas em cima de seu peito.(175)

Em junho de 1997, dois dos presos tetraplégicos morreram e em agosto os presos paraplégicos anunciaram uma greve de fome em protesto contra a falta de assistência médica. Finalmente, uma investigação judicial foi instaurada para examinar a situação mas, em outubro de 1997, as autoridades penitenciárias fecharam essa ala e transferiram todos, menos onze deles, do hospital e distribuiram-os em pelo menos doze presídios.

Onze dos presos paraplégicos foram transferidos para a Penitenciária Franco da Rocha. Lá, devido à falta de infra-estrutura mínima para atender suas necessidades médicas, o juiz de execução penal local os enviou às suas casas aos cuidados de seus familiares, convertendo suas penas à prisão domiciliar. É sabido que pelo menos um outro preso paraplégico foi transferido para a Penitenciária Estadual Presidente Venceslau, uma penitenciária localizada no interior do estado, longe de sua família. Essa penitenciária, segundo informações, tampouco possuía os recursos necessários para atender as necessidades especiais desse preso em particular.(176)

Assistência Jurídica

Uma razão pela qual muitos presos não obtêm os benefícios disponíveis previstos pela LEP é a escassez de assistência jurídica. Embora os defensores públicos devessem prestar assistência jurídica aos presos, eles pouco aparecem em muitos dos estabelecimentos prisionais do país.(177) "Eu só vi eles uma vez", ressaltou o delegado titular de um distrito policial em São Paulo que mantinha 343 presos, quando perguntado se algum advogado visitara o estabelecimento durante o período de sete meses que ele trabalhara ali.(178) Muitos presídios ou possuem advogados como funcionários, ou recebem visitas de defensores públicos externos, mas é evidente que a demanda por assistência jurídica excede em muito a oferta.

Para compensar em parte a falta de assistência jurídica, muitos sistemas prisionais estaduais promovem mutirões através dos quais grupos de advogados e estudantes de Direito visitam os presídios e avaliam a condição legal dos presos, determinando se eles qualificam-se para beneficios de livramento condicional ou outros. A Ordem dos Advogados do Brasil normalmente promove tais eventos assim como Faculdades de Direito locais.

Serviços Sociais

Um obstáculo final que os presos enfrentam para obter o livramento condicional ou outros benefícios é a escassez de assistência social. Para qualificarem-se para o livramento condicional, os presos devem ser avaliados por assistentes sociais que avaliam se eles preenchem requisitos ou não para tal benefício. Neste caso também a demanda por tais serviços em muitos presídios supera a oferta, como evidenciado pelas inúmeras reclamações dos presos sobre o assunto.


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