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O Brasil atrás das grades

O Contato dos Presos
com o Mundo Exterior

        O PROBLEMA DA DISTÂNCIA
        POLÍTICAS DE VISITAÇÃO
        CORRESPONDÊNCIA E TELEPHONE
        ACESSO À IMPRENSA

PREFÁCIO

RESUMO

SISTEMA PENITENCIÁRIO

SUPERLOTAÇÃO

DELEGACIAS

CONDIÇÕES FÍSICAS

ASSISTÊNCIA

ABUSOS ENTRE PRESOS

ABUSOS POR POLICIAIS

CONTATO

TRABALHO

DETENTAS

AGRADECIMENTOS

 

Ao isolar fisicamente os presos do mundo exterior, a prisão naturalmente põe os laços familiares e as amizades sob pressão e favorece a perda de contato e a ruptura de relacionamentos. Além do efeito adverso que isso exerce sobre o bem-estar psicológico dos detentos, também prejudica sua futura readaptação ao convívio em sociedade. À luz dessas considerações, é muito importante que o sistema carcerário não aumente ainda mais o isolamento dos detentos além do que é inerente ao próprio encarceramento. Ao invés de criar impedimentos ao contato dos detentos com o mundo exterior, o sistema carcerário deveria facilitar esses contatos.(289)

Nas prisões brasileiras, os recursos limitados de que dispõem os detentos representa uma outra razão para que as autoridades carcerárias os ajudem a manter os laços de família. Sem suas famílias, os detentos não teriam acesso a apoio material, extremamente necessário. Em muitos casos, fica a encargo da família fornecer as roupas, a roupa de cama, os remédios e os produtos de higiene do detento, entre outras coisas.

As autoridades carcerárias podem obstruir as relações dos detentos com suas famílias e amigos através de meios diretos e indiretos. As restrições diretas podem incluir a limitação das horas de visitação, a proibição de enviar e receber correspondência e restrições sobre os visitantes. Os estabelecimentos penais brasileiros, de modo geral, não impõem muitas dessas restrições; suas políticas de visitação, em especial, costumam ser bastante generosas. Certas restrições indiretas aos contatos dos presos com o mundo exterior, contudo, são mais comuns. O problema central nesse sentido é o tratamento humilhante dos visitantes, que ocorre em graus variados em muitos estabelecimentos penais.

O Problema da Distância

Num país grande como o Brasil, a questão da distância dos detentos de suas famílias deve ser levada em conta. Se os parentes tiverem que viajar longas distâncias para visitar seus familiares que estão presos, é provável que essas visitas sejam pouco freqüentes.

Nesse sentido, o sistema estadual de controle de detentos no Brasil é benéfico, pois os detentos normalmente ficam no estado em que moram. (Detentos que cometeram crimes em outros estados, contudo, não são protegidos por este sistema). Não obstante, as distâncias podem ser um problema, mesmo dentro das fronteiras de um mesmo estado, especialmente se levarmos em conta a pobreza da maioria dos prisioneiros e de suas famílias, bem como o tamanho de muitos estados brasileiros. A Human Rights Watch ouviu uma série de queixas de detentos que vinham de áreas rurais no interior de um estado, mas foram levados para uma prisão em uma cidade e recebiam, conseqüentemente, poucas visitas. Afirma-se que os juizes do interior em alguns estados relutam em transferir os detentos para o sistema penal após a condenação, pois removê-los da cadeia local e levá-los para uma prisão central significaria, no fundo, separá-los do apoio familiar. (290)

As autoridades policiais e carcerárias freqüentemente se utilizam do desejo dos detentos de permanecer perto de suas famílias como um instrumento de disciplina, ameaçando os detentos revoltosos ou recalcitrantes com transferências para prisões mais distantes. Nas delegacias de São Paulo, esse é um dos principais meios de controle sobre os prisioneiros.

Políticas de Visitação

As políticas de visitação aos detentos no Brasil variam de estado para estado e de prisão para prisão. A LEP inclui explicitamente as visitas em sua lista de direitos dos prisioneiros, dizendo que um prisioneiro tem direito a visitas de seu "cônjuge, da companheira, de parentes e amigos."(291)

A lei permite, contudo, que as visitas sejam suspensas como sanção disciplinar.(292)

A importância atribuída pelos detentos ao contato com sua família e amigos evidencia-se, entre outras coisas, pela freqüência com que políticas de visitação mais generosas são exigidas nas revoltas carcerárias. Uma das principais reivindicações feitas pelos detentos nas revoltas de 1994 e 1997 na Penitenciária Raimundo Vidal Pessoa, em Manaus, era a ampliação dos horários de visita. Uma lista curta de pontos de negociação anunciada pelos detentos durante uma rebelião, em julho de 1997, no Presídio do Róger, em João Pessoa, incluía a reivindicação de que as visitas fossem realizadas às quartas-feiras e domingos, das 8:00 às 16:00.(293)

No mesmo sentido, o cancelamento de visitas é algumas vezes suficiente para desencadear rebeliões.(294)

Em geral, os detentos querem mais visitantes, visitas mais freqüentes e mais longas, e melhor tratamento para os visitantes.

A maioria dos estabelecimentos penais tem um ou mais dias de visitação por semana, durante os quais os visitantes podem permanecer no local por várias horas. Em geral, as políticas de visitação tendem a ser mais liberais nas prisões, que têm mais infra-estrutura para acomodar os visitantes, do que nas carceragens das delegacias policiais. A maioria das prisões tem dois dias de visitação por semana, normalmente quarta-feira e domingo, ou sábado e domingo. Em algumas instalações, um dia da semana é destinado às visitas conjugais, e um dia do fim-de-semana às visitas de outros parentes e amigos. As crianças geralmente podem visitar seus pais uma vez por mês, em um dia especial de visita.

Os horários de visitação variam, mas geralmente os visitantes passam pelo menos algumas horas com os detentos, e em muitas prisões os visitantes podem ficar quase o dia inteiro. A Casa de Detenção de São Paulo, a maior prisão do país, tem horários de visitação mais limitados, porém os detentos têm direito a meio dia de visitas por semana (o dia e o horário dependem do pavilhão no qual o detento está preso). No último fim-de-semana do mês, os prisioneiros podem receber visitas ambos os dias. Perto do feriado de Natal, quando as visitas são mais freqüentes, a Casa de Detenção recebe quase 30.000 visitantes cada fim-de-semana.(295)

As carceragens policiais geralmente recebem visitantes um dia por semana, durante duas a quatro horas. Até pouco tempo atrás, contudo, os detentos da Delegacia de Furtos e Roubos de Belo Horizonte, Minas Gerais, não tinham permissão para receber quaisquer visitantes. De fato, sua insistência de que essa proibição fosse eliminada "foi uma das maiores reivindicações que apresentaram à CPI" (da Assembléia Legislativa para apurar denúncias sobre o sistema prisional do estado).(296)

Depois que o relatório da CPI foi publicado, o estabelecimento reviu sua política de visitação e começou a admitir visitas de curta duração uma vez por semana, embora as visitas pudessem ser apenas de pais, esposas e companheiras.

Em obediência ao que determina a LEP, as prisões geralmente permitem visitas tanto da família como dos amigos. As carceragens policiais, ao contrário, freqüentemente limitam as visitas aos parentes, cônjuges e companheiros dos detentos, proibindo visitas de amigos. Alguns delegacias chegam a ser extremamente seletivas ao decidir que parentes podem visitar o preso, permitindo a visita dos pais mas não de primos, por exemplo.(297)

As carceragens das delegacias policiais também tendem a aplicar regras mais severas no que tange ao registro de visitantes, requerendo que os visitantes se registrem com antecedência e recebam carteiras de visita especiais. No 16º Distrito Policial de São Paulo, o diretor nos disse que eles chegam até mesmo a fazer uma investigação para garantir que os candidatos a visitante sejam idôneos: "temos que tomar cuidado com as prostitutas, você entende".(298)

A maioria das instalações, especialmente as menores, tais como as carceragens policiais, estabelecem limites sobre o número de visitantes que um prisioneiro pode receber em um dia determinado. Muitas vezes é permitida a entrada de apenas dois visitantes, mas algumas prisões permitem até cinco. Tendo em vista o tamanho das famílias brasileiras, as restrições quanto ao número de visitantes podem ser onerosas.

Poucos estabelecimentos penais têm áreas especiais para visitas; na verdade, os visitantes podem muitas vezes entrar diretamente nas próprias áreas onde moram os detentos. Em algumas prisões, tais como a Casa de Detenção de São Paulo, "visitas sociais" da família e amigos ocorrem no pátio, enquanto às esposas e companheiras é permitido entrar nas celas dos detentos. Esse padrão é bastante comum nos distritos policiais de São Paulo. Em algumas instalações policiais, tais como o 9º Distrito Policial e o Depatri, os detentos e seus visitantes masculinos ficam separados por grades ou por uma tela. Até onde sabemos, contudo, nenhum estabelecimento penal no Brasil utiliza divisórias de plexiglass --que impedem completamente qualquer contato físico entre o detento e o visitante --tais como as encontradas em certas prisões de segurança máxima nos Estados Unidos e em outros lugares.

Todas os estabelecimentos penais têm restrições sobre tipos de comida e outros itens que o visitante pode trazer para os detentos. Obviamente, as drogas ilegais são consideradas contrabando em todos os estabelecimentos, assim como qualquer tipo de arma, ferramentas tais como brocas e furadeiras, e álcool. Além disso, cada estabelecimento penal tem regras diferentes sobre a entrada de comida, roupas e itens pessoais. Na maioria das delegacias de polícia, é proibido entrar comida cozida, somente comida industrializada e biscoitos são permitidos. Os visitantes normalmente podem trazer produtos higiênicos e de limpeza. Na verdade, eles costumam ser a única fonte desses itens.

Visitas conjugais

Quando perguntamos ao diretor do 35º Distrito Policial de São Paulo que opções ele tinha para manter a disciplina, ele não hesitou: "As visitas. A maior preocupação deles é que alguém proiba as visitas das namoradas".(299)

As visitas conjugais são permitidas de forma regular em todas as prisões masculinas do Brasil e, até onde sabemos, na maioria das delegacias policiais.(300)

Em geral, as políticas de visitação conjugal para os detentos masculinos no Brasil são extremamente generosas, embora o grau de controle exercido pelas autoridades sobre essas visitas varie de estado para estado.

As prisões impõem poucas limitações sobre que detentos podem receber visitas conjugais - chamadas freqüentemente de "visitas íntimas". Geralmente, só os prisioneiros que estão segregados por razões administrativas ou disciplinares não podem receber essas visitas. Todos os outros prisioneiros podem normalmente receber visitas conjugais, que duram o mesmo tempo que as visitas regulares, uma vez por semana.

A variação é maior quando se trata de definir que visitantes têm direito a visitas conjugais. Alguns estabelecimentos penais registram os visitantes e tentam impedir a entrada de prostitutas; outros permitem a entrada de qualquer pessoa; e alguns restringem as visitas conjugais à mulher do detento, ou à sua companheira estável.(301)

A norma básica nas instalações mantidas pela Polícia Militar no Rio Grande do Sul é a de que o detento tem que registrar sua companheira e só pode ter uma companheira de cada vez. Brasília limita as visitas conjugais à esposa do detento, ou à mulher com quem ele vivia antes da prisão (o que requer alguma prova do envolvimento prévio dos dois, tais como o testemunho de vizinhos).

Poucos estabelecimentos penais masculinos têm áreas separadas para visitas conjugais; em vez disso, são usadas as próprias áreas onde vivem os presos. (Algumas prisões que visitamos tiveram áreas separadas para visitas conjugais no passado, mas o crescimento da população carcerária acabou por transformar essas áreas em áreas regulares de moradia, ou, em um caso, em celas disciplinares). A falta de privacidade é um problema sério, especialmente quando se leva em conta a superlotação de prisões e carceragens. Os detentos criam seu próprio espaço privado o melhor que podem, o que é um verdadeiro desafio em carceragens das delegacias policiais onde dormem quarenta pessoas em uma cela. No 7º Distrito Policial de São Paulo, onde os detentos são forçados a dormir sentados por causa da superlotação, o delegado nos disse que a falta de espaço impedia visitas conjugais. "A gente se vira", disseram os detentos.(302)

Uma inovação interessante em algumas prisões brasileiras - geralmente aquelas nas quais as instalações masculinas e femininas são adjacentes - consiste em permitir visitas conjugais entre detentos. As mulheres presas no pavilhão feminino da Penitenciária Central João Chaves, em Natal, podem visitar a ala masculina uma vez por semana se seus maridos ou companheiros estiverem presos lá. A Penitenciária Feminina de Manaus instituiu recentemente um programa semelhante, com a exceção de que as detentas não chegam a entrar na prisão masculina. Em vez disso, são utilizadas celas especiais marcando a fronteira entre as duas instalações.(303)

Em Brasília, de forma semelhante, as prisões masculinas e femininas permitiam essas visitas até pouco tempo atrás, mas a transferência da prisão feminina para um lugar mais distante, em 1997, pôs fim a essa prática.

Os diretores das prisões não tinham reclamações sobre as visitas conjugais, concluindo que, na pior das hipóteses, elas amenizavam as tensões entre os detentos e melhoravam a atmosfera dentro da prisão. Os diretores de diversas prisões, inclusive a Casa de Detenção de São Paulo, ressaltaram para a Human Rights Watch que as visitas conjugais eram uma defesa muito importante contra o estupro nas prisões. "Antes delas serem permitidas, os presos mais jovens eram vendidos como escravos sexuais", explicou-nos um diretor.(304)

Devido ao fato de que nossa metodologia de pesquisa no Brasil não foi especialmente adaptada para aferir a freqüência de abuso sexual entre os detentos brasileiros, não podemos confirmar se as visitas conjugais reduziram ou eliminaram o problema. Não obstante, nossa visão dessas afirmações tende a ser cética, já que nossa investigação do assunto em outros países indica que o estupro nas prisões está mais relacionado com poder e dominação do que com privações sexuais.(305)

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