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Contexto das Desocupações Forçadas em Luanda

Muita da população rural de Angola migrou para áreas urbanas durante os anos da guerra, quer deslocada pelo conflito armado quer em busca de meios de vida alternativos.8 O fluxo de pessoas, conjugado com uma alta taxa de natalidade, favoreceu um rápido crescimento da população urbana, particularmente em Luanda.9 O número de habitantes da cidade cresceu de menos de 500,000 em 1940 para 750,000 no final da década de 1970 e para mais de três milhões em 2000.10 A sua área foi alargada de cerca de 50 quilómetros quadrados em 1980 para cerca de 270 quilómetros quadrados em 2000. A SOS Habitat, organização da sociedade civil  angolana que trabalha com comunidades afectadas por desocupações forçadas, estima que Luanda tenha actualmente uma população de cerca de cinco milhões de pessoas.11

A crescente procura de terrenos e habitações em Luanda na década de 1990, a sua limitada disponibilidade através dos mecanismos formais de mercado, assim como o custo e a burocracia dos procedimentos de aquisição de direitos, facilitaram a rápida expansão de um mercado informal de casas e terrenos.12 Nas áreas mais pobres de Luanda, especialmente nas áreas agrícolas em redor da cidade, famílias com baixos rendimentos e pessoas internamente deslocadas adquiriram terras através da ocupação ou da compra a anteriores residentes.13 Isto levou ao crescimento de áreas informais fora dos limites dos bairros planeados existentes aquando da independência, formando uma nova zona de periferia urbana na qual terrenos previamente rurais gradualmente se foram tornando residenciais. Estas áreas informais não estão geralmente urbanizadas nem adequadamente dotadas de serviços básicos pelo Estado. Dado que os actuais moradores adquiriram os terrenos ou habitações através de transacções informais ou da ocupação, os registos e títulos prediais formais constituem uma excepção.

Nos últimos cinco anos, as organizações nacionais e internacionais que trabalham na área dos direitos relativos à habitação em Luanda denunciaram uma crescente prática de desocupações forçadas e demolições por parte do Governo angolano em várias áreas informais da cidade. Isto está a ocorrer no contexto da reconstrução que se seguiu ao fim da guerra, que envolve numerosos projectos de desenvolvimento e “embelezamento”, fomentados pelos rendimentos crescentes provenientes do petróleo e por um considerável crescimento económico. Embora o Governo angolano tenha o direito de levar a cabo tais projectos e, se necessário, de retirar as pessoas das áreas necessárias para o seu desenvolvimento em conformidade com a lei, tem também a obrigação jurídica de proteger os seus cidadãos contra as desocupações forçadas e quaisquer outras violações de direitos humanos.




8 Muitas das pessoas internamente deslocadas não regressaram às suas regiões de origem após o fim da guerra civil, sobretudo devido às más condições de vida nessas áreas. Em Dezembro de 2005, existiam 61,700 pessoas internamente deslocadas (IDP) em Angola segundo as Nações Unidas – Unidade de Coordenação Técnica. Internal Displacement Monitoring Centre, “Angola”, http://www.internal-displacement.org (acedido a 23 de Maio de 2006).

9 Luanda é o maior centro urbano de Angola, elevado à categoria de província devido à sua condição especial de capital do país. É composta por nove municípios.

10 Development Workshop (DW)  e Centro para o Meio Ambiente e Assentamentos Humanos (CMAAH), Terra – Reforma sobre a terra urbana em Angola no período pós-guerra: pesquisa, advocacia & políticas de desenvolvimento  (Luanda: DW e CMAAH), p. 68.

11 Não existe um número oficial para a população de Luanda. O último censo nacional foi realizado na década de 1970.

12 Development Workshop (DW) e Centro para o Meio Ambiente e Assentamentos Humanos (CMAAH), Terra, capítulo 4.

13 Com base em entrevistas a pessoas instaladas em bairros informais, nomeadamente diversos camponeses idosos, e ONG nacionais, a Human Rights Watch e a SOS Habitat recolheram informação sobre a história das áreas informais. Na maioria destas áreas em redor da cidade, a terra foi originalmente adquirida por camponeses através da ocupação. Alguns são membros de associações de camponeses registadas junto do Ministério da Agricultura (por exemplo, a UNACA) ou têm documentos deste Ministério reconhecendo a sua instalação nessas áreas na década de 1980 como parte de um projecto agrícola do Governo (Cintura Verde). Os ocupantes iniciais transferiram as terras para familiares e conhecidos de acordo com os costumes tradicionais (os mais velhos são consultados e autorizam os recém-chegados a instalarem-se sem qualquer pagamento). A partir de finais da década de 1990, os camponeses e outros residentes começaram a ceder e a vender parcelas de terreno, normalmente com base num simples recibo ou em testemunhas presenciais da transacção. Muitos dos recém-chegados eram pessoas internamente deslocadas e, em menor percentagem, retornados e soldados desmobilizados. Nos últimos três anos, muitos recém-chegados ocuparam terras independentemente do consentimento dos moradores e camponeses mais velhos, quer através de transacções informais quer da simples ocupação. Segundo organizações nacionais entrevistadas pela Human Rights Watch em Abril de 2006, muitas das famílias com baixos rendimentos e IDP que adquiriram terras/casas no mercado informal desconheciam as disposições jurídicas relativas ao registo predial e partiam do princípio de que o pagamento aos anteriores residentes ou camponeses que ocupavam a casa/terra antes deles lhes conferia automaticamente a titularidade jurídica sobre a terra/casa que estavam a adquirir.